sábado, 31 de julho de 2010

Era sexta-feira de algum feriado religioso – desses que nunca sei o nome, a data ou o motivo. Estava infeliz. Não. Estava louca. Ao menos, achava, de fato, que estaria louca. Seria um bom fim esse. Enlouquecer aos 25 anos. Parecia razoável. Por que não? Invejo os que cantam canções otimistas, lambuzando-se da vida, tratando-a como preciosidade. Eu, sempre blasé. Desconfiada, contrariada...Entediada, de fato. Get me out of here.
Era sexta-feira de algum feriado, nem mais sei se religioso, e eu iria ver uma amiga. Ca. Carol. Carolina. Em minha vida, insistentemente, Carol. Aquela sexta-feira não anunciava apenas o fim da(e) semana. Havia algo a mais, à espreita, sussurrando que aquela não seria mais uma sexta-feira. Nunca mais, mais uma sexta-feira. Carol com a máscara paralisada num sorriso. Eu: dez máscaras, uma armadura e um ventríloquo. Faço vozes, caras e bocas. I’m fine, man. I’m fine.
Como atriz, enceno. Jogo. Camila, 25 anos, normal. Nada além. Nothing much. Vamos rindo, noite adentro. Camila, atriz e Camila, a outra. De fato, penso, esquizofrênica. Esquizofrenia, do grego, σχιζοφρενία; σχίζειν, "dividir"; e φρήν, "phren", "phrenés", no antigo grego, parte do corpo identificada por fazer a ligação entre o corpo e a alma. Camila, cindida. Camila, a que não estava lá. Nunca estava lá. Nunca esteve. Ensaio tirar a máscara. Pelas bordas, começo. Sentir o ar em meu rosto é assustador. Não vale a pena. Gosto de sentir o peso do que me (re)cobre. A casca, o envólucro, o casulo. Preciso de contenção ou transbordo. Água represada é o que sou. Don’t even try to peel me off.

Naquela sexta-feira, soltando frases sem sabor de uma vida amarga, percebi estar só. Tantas máscaras, tantas caras, pouco chão. Ao estender os braços, nada, ninguém. Camila, sob inúmeras faces, chorou. Can you see me now?


(continua)




sexta-feira, 16 de julho de 2010

Eu interessantíssimo


Reler meu último post me faz retornar a espaços nunca mais visitados. Camila: a insone.

Sono, insônia...Sempre aqui. Sempre em mim. Sempre igual. Sempre diferente.

Não estou mais sitiada.


Controle.

Controle.

É o que sobrou.

Represa-fortaleza.

Aço.

Dique monstruoso de mim.


Olhos para frente.

Queixo para cima.

Pés. Muitos pés.

Pés colados. Fincados.

Pernas: bambas.

Peito: triturado.

Mas sou dique.

Fortaleza.

Aço.

Monstro.


Des-trituro.

Des-bambeio.

Sigo.


Sempre em frente.

Sempre para cima.


Sufocada, respiro.

Emirjo.

Tal corpo morto.

Tal assassinato.

Venho à tona.


Ressurjo.

Revivo.

Sem correr.

Sem pressa.


Ganho.

domingo, 29 de março de 2009

Insone

Há semanas que não sei mais o que é dormir. A insônia se revelou como a pior das doenças. Madrugadas lentas e angustiantes nos obrigam a acelerar o pensamento. Memórias inúteis vêm à tona – o que foi; como foi; como poderia ter sido...ou ainda o que será; como será; quando será... – nos lembrando, sempre, do pior que vivemos.
A ironia desse estado de insone é que, nos últimos anos, procurei estar em dormência. Pensava ser boa em represar sentimentos...até que todos, finalmente, decidiram ocupar essas minhas terras improdutivas.

Estou sitiada.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Sobre as flores de Mapplethorpe


NEW YORK CITY GIRL
para Susan Sontag

eu amo você
como quem não vê sexo
nas flores de Mapplethorpe
nas flores de Georgia O'Keefe
nas flores
puras
como uma princesa careca chinesa

eu amo você
como quem não vê sexo
nas máquinas de Picabia
nas máquinas de Giorgio DeChirico
nas máquinas
puras
como uma dominatrix branca nova-
iorquina

eu amo você
como quem não vê sexo
só poesia
só poesia só poesia
só poesia só poesia só poesia
só poesia

só poesia


(Delmo Montenegro, Ciao Cadáver - 2005)'